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Digitalização e Transição Energética

Publicado em 04 de março de 2024

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Em novembro passado, a Exame Solutions publicou matéria com Alexandre Ribas, CEO da Falconi, cujo conteúdo se referia ao que “as lideranças devem ter no radar para 2024”[1]. Resumidamente, a principal recomendação do entrevistado foi “estar sempre atento às oportunidades internas e externas e definir iniciativas para ir atrás delas”. A partir desse depoimento a publicação conclui que “eficiência é a palavra de ordem para navegar nas incertezas do mercado em 2024”, uma visão que, ao meu ver, pode se estender muito além do horizonte de um ano.

De acordo com Ribas, há “quatro tópicos que devem estar na agenda das lideranças das organizações - todos vinculados à capacidade de fazer melhores escolhas com os recursos disponíveis, visando a tomada de decisões mais precisas e fundamentadas”. Desses tópicos, destaco dois, em particular: o uso de tecnologia para aumentar a produtividade, na esteira da inteligência artificial generativa (“a estratégia de inovação também deve perseguir a eficiência”) e a capacidade de gestão de recursos, de forma a extrair o melhor de cada um deles.

Da perspectiva do setor elétrico, há um alinhamento direto desses tópicos com dois temas em especial: o aumento da resiliência da rede elétrica e a gestão dos ativos operacionais de uma companhia.

A resiliência da rede é uma clara necessidade no mundo de hoje, em que eventos climáticos cada vez mais extremos e desafios tecnológicos que se apresentam cotidianamente aumentam as incertezas que cercam o fornecimento de energia. Por sua vez, a gestão de ativos, para além de contribuir para uma maior resiliência da rede, se mostra ferramenta eficaz para aumentar a eficiência empresarial, em linha com o que indica a referida matéria.

Nesse contexto, a digitalização das redes elétricas é uma tendência na medida em que oferece às empresas a oportunidade de otimizar o uso de seus ativos operacionais, aumentar sua disponibilidade, reduzir custos, e, por extensão, aumentar a resiliência da rede e contribuir para atender aos objetivos de ESG (Environmental, Social and Governance).

A digitalização das instalações de transmissão está intrinsecamente relacionada à implementação de tecnologias avançadas, como sensores, mecanismos de automação e sistemas de comunicação, para modernizar a infraestrutura existente e orientar as especificações para as novas instalações. Essas tecnologias permitem que seja monitorada em tempo real a condição dos ativos, obtendo dados precisos e preciosos para aprimorar a gestão dessa condição, com resultados importantes que agregam valor ao negócio da empresa.

Em abril de 2022, assinei, juntamente com o premiado pesquisador André Tomaz de Carvalho, gerente do departamento de Gestão de Ativos do Centro de Pesquisas de Energia Elétrica – Cepel, e com uma brilhante engenheira, então pesquisadora no Cepel e hoje na ISA-CTEEP, Gabriela Sampaio Rêma, artigo abordando o tema digitalização, o qual foi publicado no CanalEnergia em 03 de maio daquele ano (canal Negócios e Empresas/P&D e Tecnologia). A atualidade do tema, justifica reproduzi-lo aqui.

Desde sempre, energia, em quaisquer de suas formas, é elemento essencial para o desenvolvimento das civilizações. Com efeito, a evolução do consumo de energia e o domínio de suas fontes primárias descrevem a história da evolução das sociedades.

Modernamente é crescente a preocupação com o aumento descontrolado e acelerado do consumo de energia pelos efeitos que este provoca sobre o planeta. Esse contexto deu lugar ao surgimento do conceito de desenvolvimento sustentável, motivação principal para o que se convencionou chamar de transição energética.

Um dos mecanismos para se lograr sucesso nesse movimento é a inovação tecnológica, em especial, a digitalização. Definitivamente, transição energética e digitalização estão interligadas.

No caso do setor energético e, em particular, do setor elétrico, a digitalização contribui com soluções que permitem superar os diversos desafios que se apresentam na geração, transmissão e distribuição de energia. E avança com a modernização das instalações existentes e com a incorporação continuada de novas tecnologias.

Enquanto tecnologias básicas de geração e transmissão (geradores, transformadores e linhas de transmissão etc.) permanecem relativamente estáveis, a despeito do progresso técnico específico que a elas vem sendo progressivamente incorporado, a digitalização tem revolucionado as etapas de projeto, operação e manutenção de usinas, subestações e redes, trazendo importantes benefícios como o aumento da flexibilidade e da disponibilidade e a redução de custos. De fato, substituir dispositivos analógicos de supervisão e controle por dispositivos digitais e inteligentes melhora a administração, configuração, operação e manutenção de cada um desses elementos.

Além do avanço na automação dos sistemas, outros benefícios proporcionados pela digitalização estão na gestão de ativos, com reflexos positivos no planejamento estratégico do negócio. Nesse ambiente, se insere o conceito de data-driven utility company, em que as decisões, de manutenções a investimentos, eventualmente vultosos, de recapacitação ou substituição de equipamentos, são tomadas com base em análise de dados.

É nesse contexto se inserem as ferramentas de inteligência artificial (I.A.) aplicadas a data analytics. O objetivo é explorar e analisar os dados, a fim de transformá-los em informações úteis para tomada de decisões. Uma organização moderna deve dispor de sistemas que permitam ações imediatas, baseadas em análises automatizadas em tempo real.

Para isso, contudo, é preciso investir em sistemas de aquisição de dados, não só da operação dos ativos, mas também de sua condição. E, ainda, integrar esses dados ao sistema de informações corporativas, a um sistema de gestão integrado, tipicamente um ERP.

E pode-se ir além, com a virtualização dos ativos e processos, o que no jargão da indústria 4.0 chama-se de digital twins. Trata-se, o “gêmeo digital”, de uma cópia virtual do ativo físico, a qual é alimentada continuamente por dados reais, permitindo simular o comportamento ideal do ativo por meio de modelos computacionais e estudar situações diversas, gerando diferentes cenários de operação e manutenção.

 

Há ainda o recurso da gamification das interfaces homem-máquina, possibilitando a ação de operadores e analistas no controle e supervisão dos equipamentos através de modelagem tridimensional desses ativos. A “gamificação” é especialmente útil na capacitação e recapacitação de profissionais.

Como extensão da “gamificação”, a tecnologia permite também inserir os profissionais em ambientes de realidade virtual, coletivos e hiper-realistas, os chamados metaversos, uma forma inovadora de interação com a operação, supervisão, simulação e treinamento.

Como se vê, são muitas as possibilidades que a digitalização oferece e, para avançar nessa direção, propõe-se a seguinte agenda para o setor elétrico:

-  desenvolver um programa de modernização de instalações antigas, que ainda operam com sistemas analógicos em grande parte, para uma arquitetura digital, possibilitando sua completa automação e operação remota (pode-se pensar em incentivos regulatórios para acelerar este programa);

-  ampliar investimento em sistemas de aquisição de dados para monitoramento da condição dos ativos, visando o acesso a uma avaliação de risco em tempo real que oriente as tomadas de decisão (também aqui, pode-se pensar em diretivas regulatórias, especialmente para ativos considerados estratégicos para o sistema elétrico);

-  orientar investimentos na infraestrutura de redes, de modo a integrar tecnologia da informação e tecnologia operacional, tendo como premissa básica as diretivas de cyber security (dessa iniciativa as organizações devem, elas próprias, se ocupar, como imperativo do ecossistema de inovação no qual se inserem);

-  investir em ferramentas de inteligência artificial, abertas, auditáveis, substituíveis, evitando a dependência tecnológica.

 

Evoluindo nessa agenda, será possível avançar efetivamente na digitalização de ativos e processos, seja em seus modelos multifísicos, para simulação pelos digital twins, seja em seus modelos tridimensionais, para utilização em plataformas de “gamificação” e de realidade virtual em multiverso.

Por fim, mas não menos importante, é preciso ter em conta que essas inovações trazem benefícios, mas alteram profundamente os modos de trabalho. Logo, é fundamental desenvolver um programa de capacitação e/ou recapacitação profissional, envolvendo mudança do mind set, para que as novas tecnologias deixem de ser apenas curiosidades e possam realmente agregar valor ao negócio.

[1] A matéria foi publicada em 28 de novembro de 2023. Disponível em https://exame.com/negocios/liderancas-radar-2024-ceo-falconi.

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