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Armazenamento de Energia e Transição Energética

Publicado em 18 de março de 2024

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Nos dias 12 e 13 de maio, ocorreram dois eventos importantes no Rio de Janeiro. O Workshop PSR/CanalEnergia e o Agenda Setorial. Ficou claro que a transição energética, ou a transformação energética como corretamente propõe Luiz Barroso, CEO da PSR, é item da pauta setorial.

Nesse contexto, trago algumas reflexões sobre o tema armazenamento. Penso que é tópico central quando se fala de transição energética. Desde que a Humanidade incorporou as incríveis facilidades que a energia elétrica proporcionou, transformando definitivamente a vida das pessoas, ainda não se conseguiu uma solução completamente eficaz para o armazenamento de energia.

Por conta de seu parque hidroelétrico, dotado de relevante capacidade de armazenamento, é comum o entendimento de que o Brasil tem vantagens comparativas que facilitam a introdução da geração renovável que modernamente ganhou destaque (eólica, solar etc). Porém, como destaca o professor Jerson Kelman, ex-diretor geral da ANEEL - Agência Nacional de Energia Elétrica, em artigo publicado na Brasil Energia[1], "há situações em que o parque hidroelétrico só consegue atender parcialmente à flutuação de carga do SIN [Sistema Interligado Nacional], não por uma incapacidade física e sim por efeito" de restrições de várias ordens, associadas aos usos múltiplos da água e também ambientais. "Nesses casos o ONS - Operador Nacional do Sistema Elétrico recorre às demais usinas despacháveis, prioritariamente as usinas movidas a gás natural, de acionamento mais rápido".

Há alternativas mais aderentes aos objetivos de descarbonização. Baterias são uma opção, contudo, embora constituam mercado em pleno crescimento, podendo chegar a US$ 37 bilhões em 2030 na estimativa da Honeywell, ainda estão longe de constituir uma solução robusta na escala dos sistemas elétricos. Além disso, recorrendo novamente ao artigo do professor Kelman, "não se vislumbra papel de liderança do Brasil no desenvolvimento tecnológico de baterias. Trata-se de tema dependente de complexa cadeia produtiva, que mobiliza os principais países desenvolvidos".

No passado, e no caso do Brasil, um passado não tão distante, a questão do armazenamento foi resolvida com os reservatórios plurianuais ou plurissazonais das usinas hidroelétricas. Mas, como lembra o professor Edvaldo Santana, ex-diretor da ANEEL, o sistema se transformou e a questão do armazenamento se apresenta hoje de outra forma. Não parece ser mais tão importante quanto outrora a capacidade de armazenamento plurissazonal. Mais relevante se apresenta a capacidade de armazenamento que confira a possibilidade de gerenciamento diário ou semanal da geração, de forma a torná-la aderente ao comportamento da carga. E isso é tão mais importante quanto maior for a penetração das novas energias renováveis, eólica e solar, inclusive e principalmente a geração distribuída.

Ouso dizer, talvez contrariando uma visão consolidada no setor, que não precisamos mais de novos grandes reservatórios. A mim, parecem eloquentes as estatísticas que apontam 200 GW de potência instalada, pouco mais de 100 GW (50%) de demanda máxima e cerca de 60 GW (30%) de demanda média.

Penso até que seria possível conciliar os pleitos de ribeirinhos para limitar o deplecionamento de alguns desses reservatórios porque o armazenamento que precisamos tem que ser tão renovável como as novas fontes de energia! Nesse sentido, se recolocam como alternativa as usinas hidroelétricas reversíveis.

Incentivadas no passado com a introdução das usinas nucleares, que não tinham a capacidade de acompanhar a curva de carga, as usinas reversíveis ressurgem agora como alternativa para complementar as renováveis modernas, que também não têm a capacidade de acompanhar a curva de carga. A propósito, um dos últimos trabalhos que conduzi na Empresa de Pesquisa Energética foi avaliar como as hidroelétricas reversíveis se inserem nos mercado francês e ibérico, em face do incremento da geração eólica e solar.

Com efeito, reversíveis conferem flexibilidade ao armazenamento. No entender do GESEL - Grupo de Estudos do Setor Elétrico - UFRJ, coordenado pelo professor Nivalde J. de Castro, “a flexibilidade de armazenamento se revela importante por contribuir para a confiabilidade do sistema e para a otimização dos recursos energéticos”.

As palavras de Ricardo Tili, diretor da ANEEL, nos eventos a que me referi, indicam que o regulador está atento à solução. Mas, penso eu, não se pode, e nem é necessário, esperar dez anos (ou mais) para que soluções desse tipo sejam implementadas. São soluções de engenharia, com impacto ambiental que pode ser controlado, com claros benefícios para a operação do sistema (com a palavra o ONS) e mais econômicas e duradouras que outras soluções de armazenamento. E como pontua Kelman, "temos conhecimento técnico e condições naturais para desenvolver um parque de usinas reversíveis".

Mas, sem dúvida, há necessidade de avanços regulatórios para que soluções dessa natureza possam ser adequadamente precificadas e remuneradas. Corroborando a posição do GESEL, “o armazenamento necessita de alterações regulatórias para que se torne atraente para investimentos privados”.

[1] Kelman, J., "O Papel das Usinas Reversíveis", in Brasil Energia nº 485, Rio de Janeiro, fevereiro de 2024.

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